quarta-feira, 19 de agosto de 2009

metais

- Às sete, no meio da ponte sobre o lago do parque.
Combinaram o encontro assim: por telefone, com a voz cansada e silenciosa. Fazia semanas que eles não andavam bem. O silêncio havia tomado as longas e animadas conversas de outrora, os sorrisos, as gargalhadas, os inúmeros toques de telemóvel durante o dia. Restava apenas um vazio e a certeza de que era o fim. Por isso, ele não disfarçou a tristeza na voz quando lhe ligou. Por isso, ela não fez perguntas e por isso, no desejo secreto de terminarem tudo num lugar bonito, concordaram “Às sete, no meio da ponte sobre o lago do parque”.
Chegaram a tempo e ao mesmo tempo. Cabisbaixos, pálidos, vindo de lados opostos da ponte. Cada um com seu monólogo na ponta da língua. Cada frase pensada à letra, cada parágrafo pensado à frase, num discurso reproduzido em pensamento vezes sem conta, na cadência nervosa de cada passo dado. Quando se olharam, a menos de um metro de distância, exatamente no meio daquela ponte sobre o lago, não disseram nada. Em meio segundo, como se ele se tornasse ferro e ela ímã, seus corpos rasgaram o ar com força e caíram nos braços um do outro. Caíram na pele e nos lábios um do outro. Caíram da ponte, quebrando o espelho líquido que os refletia.
Ali, encharcados de água e saliva, submersos pelo fogo de carnes e ossos, entregaram suas línguas à dança, num ritmo que foi fundindo as frases que cada uma trazia na ponta.
A “Não sofro mais por pensar em te perder.” dele e a “Meu coração gelou.” dela, tornaram-se numa só e de ambos: Sofro e meu coração gelou por pensar em te perder.
A “Adeus” dela e a “Tenho que dizer que não te quero ver nunca mais” dele, tornaram-se: Nunca mais te quero dizer adeus.
E enquanto seus corpos entrelaçavam o texto de suas falas, num daqueles beijos que fazem desaparecer o mundo em volta, eles não se deram conta do mergulho no lago, nem da falta de ar, nem do facto que ficariam no fundo para sempre, porque ele se tinha tornado ferro e ela íman.

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