quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Incêndio

Ele não era narcisista. Quer dizer, também era, mas o que mais amava nele próprio não era o corpo, era tudo. Nutria uma forte admiração pela sua personalidade, gostava da forma como encarava a vida e a sua auto-estima era mais alta do que três vezes o Everest. Apaixonou-se por si próprio aos 12 anos, enquanto se masturbava pela primeira vez no lavatório da casa da sua tia. No momento do orgasmo, olhou-se no espelho e viu a sua face brilhando sob uma névoa de estrelinhas e purpurina. Sorriu bobo, com um olhar derretido e desde então que vivia feliz consigo, 24 horas por dia, numa relação que durava há já 7 anos.
Um dia, durante uma festa da faculdade e levado pela bebida, beijou uma colega de turma. Três dias depois convidou-a para jantar e passadas duas semanas começaram a andar juntos. Só beijinhos e nada de sexo, até ao dia em que arrastaram seus corpos famintos para o quarto de um motel. Lá, despiram-se e entregaram-se a um amor adolescente, robótico e duro, em movimentos que lembravam aqueles cavalinhos de pôr moedas, delírio de crianças à saída de shoppings. Estavam nisso há cinco minutos quando o olhar dele fixou o espelho. A rapariga estava de quatro, com o rosto tapado pelos cabelos suados e ele devorava-a com um tesão de lobisomem. A sua face gelou. Ele... ele estava com outra. O homem que ele tanto amava, o homem a quem tinha dedicado 7 anos de entrega incondicional estava a trair-lo. Ali, à sua frente, sem o mínimo de respeito, ou peso de consciência.
Cego por um maremoto de ciúmes podres com epicentro nas entranhas, enraivecido por uma revolta putrefacta, agarrou-a pelos cabelos e num movimento carnívoro e psicopata partiu-lhe o pescoço, extraindo dela um último gemido, que foi ainda de prazer.
Desvairado, com a saliva a efervescer na sua boca, largou aquela marionete humana inerte e aproximou-se do espelho. Seus olhos de suor e lágrimas, entreolharam-se. Parou por um instante, ofegante pelo sexo e pela fúria, agarrou no extintor do quarto e numa pancada forte, seca e mortífera, extinguiu as labaredas de ódio que alastravam pelas suas veias e crânio.

2 comentários:

  1. Huguito! Não sei se você tem um estilo próprio, ou um sotaque. O fato é que no meio do texto ja sabia que ele era seu. Acho mesmo que voce tem os dois. Adooooro. Beijos

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  2. Acho que o sotaque faz o estilo :) beijinhos

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