segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A cúpula - Capítulo 1 - O amor.

Estavam todos reunidos. Um falatório sem parar. No centro o ancião, na primeira fila os opinadores, na segunda os contrapontos, na terceira os formadores e da quarta em diante os ouvintes. Esses, não podiam falar, em nenhum momento estavam autorizados a participar. Era assim desde o princípio. Eram ouvintes e seu papel era ouvir, assimilar e espalhar. Levar para fora o que se decidia dentro.

O ancião segurava em uma das mãos o papiro da questão. Hoje o debate iria ser intenso. Na verdade era o dia que a cúpula estava mais cheia. Era interessante. Era essencial. Era o que todos esperavam para tocar suas vidas. Sempre uma breve apresentação se fazia necessário. O ancião mediava e opinava com sua clareza de pensamento todas as partes da questão. Nele estava toda a sabedoria. De um mundo particular, que vivia entre diversos mundos, que não era o centro, nem importante, nem essencial. Apenas mais um mundo num universo inteiro.

O ancião pede silêncio. Pede atenção. Levanta com toda a sua elegância, coloca o papel na mesa e se dirige a pequena multidão presente na cúpula:

- Caros, nossas vidas estão atormentadas. Atormentadas por um decidir que não se conclui. Espero aqui oferecer todos os detalhes para que vocês possam chegar a uma conclusão. Para que o nosso pacto decisório elabore um pensamento comum, torne convenção o que um dia foi discussão, debate. Não podemos mais viver, ou melhor, ter uma vida parada por tal fato. Vamos decidir agora e que seja espalhado por todo o nosso mundo o que aqui for decidido. E que essa decisão seja irrevogável, seja o que é. E acabamos de uma vez por todas com esse pesar. Vamos deliberar por uma vida, mas saiamos daqui com uma definição clara da dúvida que se abateu: o que é o amor? E que assim, essa tormenta se acalme em nosso mundo. Se faça paz novamente.

- Creio que para definir o amor, precisamos decidir se o amor é um ou muitos. Pois se for um, definimos como tal. Se for muitos, definimos cada um com suas qualidades. Em minha vida, senti o amor. E senti de jeitos e formas diferentes. Assim, minha intuição diz que são muitos, pois se senti diferenças entre eles, eles não podem ser iguais. Não em sua totalidade. Sugiro então catalogar o amor. Descobrir quais são esses amores e quando eles despertam. Existem quantos amores presentes em nosso mundo? Opinadores solicito a participação.

Seião, o mais velho dos opinadores levanta e diz:
- Vamos falar de nosso primeiro amor. O amor dos nossos pais. Não sabemos nada sobre ele. Só sentimos. Pra mim esse é o primeiro.

Valentina, mulher de seião, diz:
- Mas é o amor de um pai ou uma mãe com seu filho ou o amor de um filho com seu pai ou sua mãe? Esse amor é de mão dupla, creio que como todos os outros. Qual existe primeiro? Pois se um filho existe sem ter consciência na barriga de sua mãe, pra mim vale o amor consciente, da mãe que sente e percebe o filho. Por isso acredito, o primeiro amor é o amor de mãe. Desculpe, nas nem o pai pode sentir esse primeiro amor. Só nós, mulheres. Assim, o primeiro amor sugiro ser concluído como amor de mãe. O início de tudo. O amor da vida.

Sião:
- Pois bem, se queres invocar sua condição materna na cúpula que o faça. Mas quem garante que, ao anunciar um filho ao seu pai, não desperta o amor? Um pai não pode carregar o amor de seu filho, sem carregar o filho? Porque não o primeiro amor é o amor dos pais, ambos em sua felicidade.

Valentina:
- Pois claro que pode. Mas se estamos falando do primeiro amor, estamos falando de um primeiro despertar. E amor só desperta sentindo. E o primeiro é aquele de quem o sente primeiro. Logo, amor de mãe é o primeiro. Ou você acredita saber antes de uma mulher que seu ventre está repleto de vida? Só sente quem tem o que sentir. O amor da vida é o primeiro, e só pode ser sentido por uma mãe.

Ancião:
- Mas se existe um filho, existe um amor de seus criadores. Ele é anterior ao amor de uma mãe. Assim como uma mãe também foi filha e amou antes ainda de que seu marido, seus pais, irmãos, família... qual amor é o primeiro, pensemos.

Sião:
- Creio que aqui há um dilema inicial, solicito que os contrapontos se manifestem.

Cassius, contraponto mais velho diz:
- Acho que a relevância dessa discussão é definirmos o amor. Qual vem primeiro é apenas uma forma de classificar tipos de amor, como foi colocado, para não deixar nenhum de fora, porque assim começamos. E se começamos deliberadamente tentar entender o amor, tomemos isso como exemplo para nossas conclusões. Um ser só pode amar quando tem consciência do amor. Assim como estamos conscientes agora. Então se estamos falando de amar consciente, e se a consciência nos é apresentada na infância, acredito que o primeiro amor é o amor de uma criança por quem a cuida, não necessariamente seus pais. Pois se essa criança não tem mais seus pais? Se eles morreram e a criação foi dada aos avós, ou tios, ou parentes. Essa criança não iria sentir o primeiro amor? Estaria privada de amar? Ora, claro que iria amar. Amor não escolhe, apenas sente, existe e passa de um para o outro.

Ancião:
- Pois essa foi uma questão bem levantada. Se existe outra opinião, contrária ou complementar que se manifeste. Pois precisamos avançar. O tempo pede.

Wagner, contraponto eleito pelos ouvintes:
- Não quero discordar. Quero clarear. Se o amor só pode ser amor quando se tem consciência sobre ele. Creio que o primeiro amor não é de pai, de mãe, de filho ou de qualquer outro ser. O primeiro amor é o amor consciente. Seja lá quando ele desperta.

Ancião:
Pois voltemos ao zero. Se seguir seu pensamento, não temos mais tipos de amor. Temos um apenas, o amor consciente. Pois me parece que todos afirmaram que só ama quando se tem consciência. E a consciência do amor. Será que o amor é único então?

Valquiria:
Posso refletir mais, por hora, creio que não sinto o mesmo amor por meu filho, do que por meu marido, do que por meus pais, do que por meus tios. Acho sim, que o amor tem tipos. Tem diferenças. E o primeiro amor é o de mãe.

Wagner:
Insistes num ponto que já adiantamos. Mas vamos refletir sobre ele para esgotar as possibilidades. E não apenas para convencer, mas para entender. Será que não estamos confundindo o objeto do amor, com o próprio amor? Pois estamos dando posse para o amor. Amor de mãe, amor de pai, amor de filho. Ora, será que o amor é um, e se manifesta diferente porque os objetos amados são diferentes? Pois se for assim, podemos acreditar que existem diferentes amados, mas só um amor. Que muda o sentir, depende de quem se ama. Como a água que se encontra o calor, evapora. Se encontra o frio vira gelo, se a temperatura é amena é líquida, talvez até evoluindo no pensar, se encontra o barro é lama, se encontra o mar é salgada. Mas é sempre água. Se apresenta de diversas maneiras, mas olhamos e extraímos água.

Cassius:
- Pois bem, concordo. Me fez concluir que o amor é único. E o único amor que podemos sentir é o amor consciente refletido no objeto amado. Pois esquecemos de classificar as reações do amor com seus amados, vamos falar o que é que tem essa reação comum em todas as formas. Acho que aí podemos definir o amor em sua essência e não em suas qualidades. Vamos ver de que água é feito o amor.

Ancião:
Sugiro uma pausa para realocar o pensamento. Reagrupar o que dividimos. E entender melhor para onde vamos.

Suppion

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